Somos Nós: Cristina Nobre Soares

Como para toda a gente, este período tem sido estranho. Para mim, tem sido estranho por não ser assim tão estranho. Pois, como em todos os momentos maus (e estranhos), a vida tem a característica de continuar indiferente ao que sentimos, às nossas dores e alegrias. Se houve coisa que aprendi de outros maus momentos é que a única coisa que fica suspensa somos nós. Todo o resto continua.

Nós ficámos suspensos, dizemos, mas os dias continuaram, o padeiro continuou a trazer o pão pelas sete, a fazer a mesma marcha atrás pela rua de sentido único, as horas de sentar ao computador e despachar trabalho continuaram as mesmas, a vontade de estar com quem nos quer bem continuou a mesma, os planos para este ano, ainda que adiados para outro, continuam à espera de serem concretizados. Ficaram suspensos, sim, os pequenos detalhes que fazem a importância da nossa vida. O café com a amiga, o abraço a quem não vemos há tanto, o toque na mão, o jantar fora de sexta-feira, as pessoas que me despertam a atenção no Metro, o som dos passos na calçada, o lilás dos Jacarandás que, este ano, será apenas uma cor de memória, o beijo que se evita, antes de sair de casa da minha mãe.

De resto, a estranheza de que tudo continua, com a consciência de que nem todos iremos ficar bem. Mas também é essa dolorosa consciência que nos dá a esperança de que tudo correrá pelo melhor, mesmo quando parece que tudo fica pior, e que um dia, depois de tudo passado, chamaremos pomposamente resiliência ou coragem. Mas que, no fundo, sabemos que não foi nada de mais. Foi só apenas a vida. A nossa vida.

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