Somos Nós: Sandra Campos

Na terça-feira, dia 10 de Março, tinha mais uma aula na USRDL no horário habitual... qual não foi o meu espanto, quando percebi o burburinho que existia pelos corredores acerca de tudo o que se aproximava de nós a "passos largos"... Confesso que não estava preparada, tínhamos uma visita marcada para quinta feira, dia 12 de Março e muito tínhamos de responder, aos alunos, quando nós próprios não sabíamos bem o que dizer. Antes de iniciar a aula chegaram algumas alunas a despedir-se e a dizer que iam para casa e não sairiam para nada nos próximos tempos... Respeitei, mas achei que se calhar não iríamos chegar a tanto... nesse dia à tarde a nossa visita de estudo foi cancelada, e eu fui "convidada" a ficar em casa por pertencer a um grupo de risco. De repente, eu que nunca parava em casa, fui obrigada a dar uma volta de 180 graus na minha vida, fechei a minha loja ainda nesse dia e fui para casa. Foi como se abandonasse o meu local de trabalho, pois limitei-me a fugir de lá para casa, deixando tudo como estava. Sendo uma florista, ficou tudo a deteriorar-se... mas era importante ir para casa…

Durante dois meses fiquei em casa com o meu marido e a minha filha... essa foi uma das partes boas do confinamento, o ter de me reencontrar no espaço e no tempo. O tempo passava na mesma, rápido, havia sempre muito que fazer, uma pequena surpresa ao marido, um miminho à filha, as refeições todas feitas a três, aí estava tudo bem. O Rui esteve sempre a trabalhar, tinha a rotina dele com a primeira reunião do dia às 8h30 da manhã. Eu acordava e iniciava também o meu dia. Entre muitas coisas em casa que tive tempo para fazer havia todos os dias de manhã uma aula de vários tipos de ginástica, que me deu vida. Também fiz parte do grupo a que os Pimpões cederam gentilmente um Step, para poder acompanhar aulas deles, ao fim da tarde.

Apesar de tudo isto sentia-me em falta com aqueles que são tão importantes para mim, por isso desde o primeiro momento perguntei a mim mesma o que poderia fazer para ajudar, sem pôr a minha saúde e a das outras pessoas em causa... Então comecei a dedicar, todos os dias, algum tempo para fazer telefonemas, ou para encontros de mesa redonda - foi assim que chamei - a pequenos grupos que criei no messenger, para que as minhas alunas se pudessem ver umas às outras e pudéssemos ver onde se pode ajudar e acompanhar, ouvir, enfim, estar lá quando é preciso... e é tão bom! Ainda hoje nos juntamos quase todos os dias.Também fazíamos isso com pequenos grupos de família e amigos... o facto de nos podermos ver e quase festejar, por estar juntos, era tão importante, para mim e para todos, eu acho. No meio de todo este envolvimento, tive conhecimento de uma pessoa de perto ter tido COVID-19. Não sabia muito bem o que dizer, mas achei que era mais importante saber ouvir e respeitar a pessoa, abrindo o jogo com o nosso grupo, mas não abrindo no geral. Graças a Deus tudo passou. 

A par de tudo isto muita coisa se passava, os meus casamentos (trabalho) foram cancelados, e a nível monetário as coisas não foram, nem estão a ser fáceis... mas para quem não está difícil? Neste momento, valores mais altos se levantam, é hora de apertar o cinto e seguir em frente, dentro das possibilidades.

Mas o meu coração estava apertadinho, porque a minha irmã mais nova estava para voltar da Alemanha para Portugal, com viagem marcada e casa alugada desde fevereiro e de repente a viagem de avião foi cancelada. Com a casa na Alemanha para entregar, teve de sair, com duas crianças e três gatos, não estava a ser fácil... a muito custo lá regressaram e aí sim o coração descansou um pouco mais. Era tão estranho estarem tão perto e não nos podermos encontrar.

Também a "partida" de uma grande amiga nesta altura foi complicada, era impossível estar presente na despedida. Entre amigas trocámos mensagens, fotos, lembranças dela, e resolvemos marcar uma corrente de luz para o dia em que seria o velório, e  para o dia da "partida" para a sua nova "morada"... foi tão difícil não podermos estar e sofrer todos juntos mas acho que tentámos fazer tudo em forma de homenagem dentro das possibilidades e nunca saindo de casa... Um dia far-lhe-emos uma última homenagem, como ela merece.

Dois meses passaram e resolvemos juntar-nos com alguns elementos de família que também estava ao mesmo tempo em suas casas, foi assim um novo respirar sem grandes toques, mas o facto de estarmos juntos foi tão, mas tão importante! O ano que passou tinha sido um ano muito complicado, perdi o meu pai, um tio-avô muito especial, e muitas outras pessoas importantes, por isso de repente, não podermos estar com ninguém dos nossos era muito complicado, Mas tinha de ser, por isso tínhamos de tentar estar juntos de outra forma e as redes sociais foram muito importantes, mais uma vez…

Importante, foi também tentar fazer algumas aulas de formas diferentes e fazê-las chegar aos nossos séniores, e também alguns projectos, uns sozinha, outros com outros colegas, com os quais mais nos identificamos. Era e é tão bom receber o feedback do nosso trabalho! Na verdade quando trabalhamos com o coração, conseguimos atingir os nossos objectivos, tentando que as pessoas se mantenham  activas, a pensar no desafio que lançamos, e a ver como podem fazer (o importante depois é estarmos cá para ajudar a cada um atingir os maiores desafios).

A pouco e pouco, começo a ir a casa de algumas pessoas idosas, para ajudar de várias formas, é muito importante estarmos no terreno, e ajudar nas dificuldades que têm mantendo sempre uma distância de segurança, máscara e higienização das mãos bem como a sua desinfecção. Mas custa muito não podermos dar um abraço a quem gostamos tanto e que de alguma forma nos dá tanto e está ali vulnerável… Mas faz parte, existem coisas que o dinheiro não consegue comprar e visitar algumas pessoas, ainda que de longe e perceber que podemos ajudar dá-nos paz, dá um sentimento de dever cumprido, e dessa forma cada um de nós, à sua maneira, vai encontrando o seu caminho ao longo desta jornada que teima em ficar e que não nos dá perspectivas de como será o nosso futuro.  O melhor será viver o  presente, valorizando as pequenas coisas da vida, que podem fazer a diferença na vida de alguém e claro na nossa também…

Saudades de muitas coisas , medos muitos, mas vamos passo a passo tentar olhar em nosso redor e ver onde poderemos fazer a diferença... e como é bom conhecer  pessoas que pensam da mesma forma e também marcam pela diferença…

Sinto-me privilegiada, pela família que tenho, pela família que construí, pelos meus amigos, pelos meus alunos, pelo trabalho que posso fazer, pelos meus clientes, pelo local onde vivo, entre muitas outras coisas…

Na incerteza do dia de amanhã, tento que o dia de hoje possa ser diferente e marcar a vida de alguém com pequenas coisas, coisas simples mas que mais uma vez podem marcar a diferença… Com uma única certeza... "Enquanto houver estrada para andar" o pessoal vai continuar!

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