Estilo e Voz

A pergunta mais comum a quem começa a fotografar é “como defino o meu estilo?”. Esta pergunta é falaciosa. O estilo é o primo vistoso da voz. É, para mim, um produto do desenvolver da nossa voz. E mais, podemos passar anos e anos a cultivar o nosso estilo, negligenciando a nossa voz, a nossa identidade fotográfica. Estilos são fáceis de manter. Compra-se um pacote de presets para o Lightroom e aplica-se o que mais gostarmos às imagens que acabamos de capturar. Em 5 minutos já terminámos o nosso processo e estamos despachados, com tudo publicado no Instagram e Facebook. Simples. Não nos leva muito longe em termos de expressão pessoal, mas desenrasca rapidamente. Estamos a tentar melhorar ou remediar com ilusões uma imagem que vem de um lugar vazio de inspiração, de imaginação e opinião. Uma das lições mais importantes que aprendi ao começar a fotografar foi que não se consegue salvar uma imagem sem conteúdo. Can’t polish a turd.

Acho que esta discussão é válida em qualquer ramo artístico. Porque achamos os filmes de Michael Bay tão vistosos mas tão vazios? Têm muito estilo e zero de substância. É disso que devemos falar mais. Especialmente nesta era dos presets disponíveis à distância de um clique e das publicações nas redes sociais estudadas ao milímetro para maximizar a exposição ao nosso público. Está tudo tão orientado para a facilidade em criar um estilo, que corremos o risco de perder de vista o facto de que devemos dizer alguma coisa com a nossa arte. Não sei quanto a vocês mas a minha paciência para com filmes, música, o que seja, sem nada para dizer, é curta. O estilo, como a mentira, tem pernas curtas, e não consegue elevar a nossa arte.

Então como desenvolver a nossa voz? como a identificamos, como a trabalhamos? Acho que a resposta passa por entender quem somos. Estar em contacto com a nossa identidade e sensibilidade. Não fugir delas. É, aliás, uma ferramenta fortíssima para nos encararmos a nós próprios. O que fotografamos, o que filmamos, o que pintamos, o que cantamos, é um reflexo do que somos e do que lá colocamos de nós.

Sempre ouvi dizer e sempre defendi que um artista que queira ser bom no que faz tem de ser uma pessoa interessante. Não significa que tenhamos todos de dar uma volta ao mundo, trabalhar num restaurante em cada cidade por que passamos, integrar-nos na cultura de cada país. Pode ajudar. Se fores essa pessoa. Mas não vai resultar para todos. A receita para isto passa por respeitarmos a nossa individualidade e por entendermos que somos seres complexos, com desejos e inspirações que nos são únicos. E passa também por entendermos que nem sempre ir só de encontro a esses desejos é positivo. Por vezes (e como detesto usar esta frase!), é necessário sair da nossa zona de conforto. Experimentarmos algo a que não estamos acostumados.

Foi assim que comecei na música e nos retratos, duas coisas que faço quase exclusivamente agora. Antes de começar estava convencidíssimo que não era disso que ia gostar. Que estaria mais à vontade com a fotografia de paisagem. Foi preciso sentir-me frustrado e limitado com o que estava a fazer para decidir quebrar com o que eu conhecia e me aventurar no desconhecido. Isso traduziu-se em grandes mudanças na minha vida, ajudou a transformar-me enquanto pessoa e a moldar-me na pessoa que sou hoje. Mas essa é uma história para outra altura.

A qualquer destes géneros de fotografia eu trago sempre o que sou eu. O que é meu. O meu olhar. A minha voz. Trago todos os livros que li, todos os filmes a que assisti, todas as músicas que ouvi, todas as pinturas que vi.

Há muitas coisas em que pensar, para descobrirmos quem somos. O que gostamos, como é a nossa personalidade, o que nos emociona e como. És uma pessoa divertida e social? A tua arte vai reflectir isso. És uma pessoa mais introvertida, mas curiosa? A tua arte vai reflectir isso. O que é importante para ti? Todas as decisões que tomamos, desde o momento em que decidimos fotografar, até ao fim do processo já na edição final da imagem que capturámos, o factor em comum somos sempre nós. Devemos estar em pleno contacto com essa nossa identidade. Além de desenvolver o nosso lado artístico, isso irá desenvolver também o lado técnico mais rapidamente. Ajudar-nos a definir que objectivas gostamos de usar, e quando. Que técnicas de edição de Photoshop gostamos de usar, e porquê.

Uma identidade bem definida e bem cultivada torna a nossa voz enquanto artistas muito mais forte. Cultivemo-la!

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